Antigo retábulo da capela mor da Catedral de Viseu

O antigo retábulo da capela-mor da sé de Viseu (18 painéis), ou os quinze painéis que sobreviveram à sua desmontagem e que agora se expõem reagrupados no Museu Nacional Grão Vasco (o painel Calvário encontra-se no Seminário Maior de Coimbra), é uma obra fundamental para perceber que a pintura e os pintores provenientes dos Países Baixos meridionais exerceram uma influência decisiva sobre o gosto da clientela e sobre o trabalho dos nossos pintores. A obra foi uma encomenda do bispo de Viseu, D. Fernando Gonçalves de Miranda (? – 1505), manifestando a sua preferência pela pintura que se fazia na Flandres.

Apesar da polémica criada em torno da sua autoria, questionando uma série de dados objetivos como sejam a intervenção de duas mãos diferentes, e predominantes, ao nível do desenho preparatório e da fase de realização pictural, é de todo crível que um grupo encabeçado pelo pintor flamengo Francisco Henriques, ao qual se juntou o jovem Vasco Fernandes, o Grão Vasco, tenha criado este conjunto de tábuas para a capela-mor da Sé, entre 1501 e 1506.

As diversas cenas narrativas alusivas à Vida da Virgem, à Infância de Jesus e à Paixão de Cristo, não só mantêm marcas materiais da sua disposição original na estrutura do retábulo, em virtude da relação da pintura com a moldura, como foram rigorosamente programadas, de um ponto de vista formal, para a diferente altura a que o espetador as observava.

No conjunto, não só se reconhece a matriz nórdica, como é possível identificar modelos, figuras e cenários diretamente inspirados na produção, pictural e gráfica, dos “Primitivos Flamengos”, bem como em alguns aspetos da realidade local. Os painéis revelam um trabalho de grande realismo e atenção aos pormenores, visível na forma de representar os materiais e os ambientes que compõem as cenas.

No painel Adoração dos Magos, a figura do mago negro Baltazar é substituída por um índio do Brasil. A proximidade cronológica desta representação, considerada como a primeira na arte ocidental, com a descoberta das terras de Vera Cruz dá a esta pintura um valor histórico extraordinário. E entre muitos outros exemplos possíveis, na Apresentação de Jesus no Templo, o escudo português figura sobre o pórtico que deixa entrever um fundo arquitetónico.

Tríptico Cook

Assinada por Vasco Fernandes, esta pintura do antigo mosteiro de São Francisco de Orgens é a primeira assinatura que chegou até nós, com a grafia VASCO FRZ. Esta assinatura surge numa das três tábuas que formam o Tríptico da Lamentação com Santos Franciscanos, conhecido por Tríptico Cook, por ter sido adquirida pelo colecionador inglês Herbert Cook, que se supõe ter sido pintado por volta de 1520. Esta obra de importância histórica e artística fundamental, já que na época a prática de assinar pintura era muito rara, pertence à coleção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

A base de identificação do processo criativo do grande mestre do Renascimento português, ou as obras de autoria documentada do Grão Vasco, são as duas obras assinadas – Lamentação com Santos Franciscanos (c. de 1520) e o retábulo com o tema Pentecostes, pintado em 1535, que se conserva na Sacristia da Igreja de Santa Cruz de Coimbra – os cinco painéis que restam do antigo retábulo da capela-mor da Catedral de Lamego, e o magnífico S. Pedro da Catedral de Viseu.

O painel central Lamentação sobre o Corpo de Cristo, está visivelmente cortado do lado esquerdo, tendo uma harmoniosa estrutura triangular. A Virgem inclinada sobre o Corpo de Cristo tem paralelamente Santa Madalena e S. João a acoitar o Corpo de Cristo.

São Pedro

S. Pedro, do antigo retábulo da capela lateral da Catedral de Viseu, (c.1529), encomenda do humanista D. Miguel da Silva, bispo de Viseu de 1525-1540, e cardeal após esta data, é hoje a obra mais representativa do talento de Grão Vasco e uma das pinturas mais notáveis do património pictural português. Numa escala excecionalmente grande, comum aos restantes quatro retábulos que fez para o mesmo espaço catedralício.

O emblemático S. Pedro, um verdadeiro papa entronizado, não só reflete os ideais do seu ecomendante, a supremacia do poder espiritual sobre o temporal, como corresponde a um dos melhores momentos criativos de Vasco Fernandes. No rigor da composição, na expressão volumétrica da forma, através de uma sensível e bem calculada distribuição da luz e da projeção da sombra sobre o trono monumental, na extraordinária caracterização do rosto, nas formas do exuberante pluvial, S. Pedro é o resultado de muitas experiências acumuladas e do seu desempenho individual.

 

Grão Vasco e Colaboradores

Além do emblemático S. Pedro, D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, encomendou a Grão Vasco mais quatro retábulos, com dimensão e forma idêntica, para as diversas capelas da Catedral. O tema Batismo de Cristo destinou-se à capela lateral esquerda, dedicada a S. João Baptista, em correspondência, portanto, com o S. Pedro. Nas capelas dos topos do transepto, localizavam-se as pinturas do Pentecostes, a Norte, e do Calvário, a Sul, enquanto que a pintura de  S. Sebastião se destinou a uma capela do claustro que o mesmo bispo mandou também edificar. A intervenção de Gaspar Vaz é notória nestes projetos, especialmente nas pinturas do PentecostesBatismo de Cristo e no conjunto das predelas dos cinco retábulos.

Natural de Viseu, Gaspar Vaz formou-se em Lisboa, na oficina do pintor régio Jorge Afonso e recebeu influências decisivas do Grão Vasco, com quem colaborou em diversos projetos.

Gaspar Vaz e a Escola de Viseu

Nascido em Viseu, Gaspar Vaz recebeu influências decisivas de Grão Vasco, com quem colaborou em diversos projectos.

A obra de Gaspar Vaz foi confusamente identificada e interpretada ao longo dos tempos. As obras mais interessantes que realizou foram, muitas vezes, atribuídas a Grão Vasco. Foi o que aconteceu com a maioria das pinturas reunidas nesta sala. Mas algumas diferenças técnicas, como a dificuldade na concepção da figura representada e certos pormenores anatómicos (as mãos e os olhos), são características que permitem identificar a obra de Gaspar Vaz e individualizá-la da de Vasco Fernandes.

Do pintor António Vaz, filho de Gaspar Vaz, a primeira referência que dele se conhece remonta a 1537. Trata-se de um pintor formado em época posterior, que pinta com soluções próprias do Maneirismo, estilo artístico que começou em Portugal em meados do século XVI e durou até meados do século XVII. Nas suas obras António Vaz opta por figuras com proporções alongadas, conferindo-lhes alguma deformação e dando-lhes uma expressão teatral. Usa ainda uma paleta de cores frias e mais escurecidas.

Contemporâneos de Grão Vasco

Considerando que além da pintura do Grão Vasco, de Gaspar Vaz e de outros colaboradores, as obras existentes no museu que dão conta da atividade dos seus contemporâneos, que no círculo cosmopolita da capital atingiram maior notoriedade, é reduzida.

Contudo, fica o reforço deste núcleo a dever-se ao Museu Nacional de Arte Antiga, através do empréstimo de pinturas de manifesta qualidade, representativas para evocar o contexto artístico em que a atividade do Grão Vasco se inscreve, e no qual a sua obra poderá ser devidamente referenciada, na primeira metade do séc. XVI, que se define por uma produção de nível excecional, seja do ponto de vista quantitativo, seja qualitativo.

Figuração do sagrado na estética barroca

O Barroco, enquanto “estilo” artístico, é um dos marcos mais visíveis de um vasto movimento cultural que predominou do final do século XVI até ao fim do século XVIII, propondo um desenvolvimento dinâmico, apaixonado e dramático, caracterizado pelo gosto por composições elaboradas, a exaltação dos sentimentos, forte expressão emotiva, luminosidade intensa e assimetrias.
Um conjunto de imagens sacras dos séculos XVII e XVIII permite colocar em destaque alguns pressupostos de ordem religiosa e estética, bem como algumas considerações de natureza técnica, que ajudam a compreender a arte barroca – um vasto movimento cultural que se desenvolve numa enorme variedade de tendências estéticas e formas de pensamento.
Concebida para integrar nichos e sobretudo os retábulos dos altares em talha dourada, a imaginária em madeira passa a dominar o universo das figurações, substituindo as imagens em pedra. Tanto pela sua maleabilidade como pela facilidade da sua extração, a madeira é eleita pela nova estética como o material mais apreciado, associando-se aos efeitos do ouro e das cores (policromia), que no seu conjunto traduzem uma leitura plástica de poderosa eficácia emocional.

 

Coleções

O Museu Nacional Grão Vasco possui um acervo que inclui obras de arte de diversa tipologia e cronologia. A coleção principal do Museu é constituída por um conjunto notável de pinturas de retábulo, provenientes da Catedral, de igrejas da região e de depósitos de outros museus, da autoria de Vasco Fernandes (c. 1475-1542), o Grão Vasco, de colaboradores e contemporâneos. O acervo inclui ainda objetos e suportes figurativos originalmente destinados a práticas litúrgicas (pintura, escultura, ourivesaria e marfins, do Românico ao Barroco), maioritariamente também provenientes da Catedral e de igrejas da região, a que acrescem peças de arqueologia, uma coleção importante de pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, exemplares de faiança portuguesa, porcelana oriental, mobiliário e têxteis.

O EDIFÍCIO

Construído no local da antiga residência episcopal, o Paço dos Três Escalões destinou-se, na origem, a seminário ou colégio para a formação do clero. Uma lápide comemorativa certifica que as obras tiveram início a 6 de Junho de 1593, prolongando-se pela primeira metade do séc. XVII. De concreto, sabe-se apenas que, por volta de 1613, as obras eram dirigidas por Domingos Rodrigues, designado como «pedreiro e mestre das obras do Seminário», residente em Viseu, e que em 1630 alguns trabalhos, eventualmente de acabamento, decorriam ainda no interior do edifício. Já no séc. XVIII, durante a vacância de 1720-1741, no mesmo período em que se construiu o piso superior do Claustro da Catedral, foi-lhe acrescentado também o piso superior.

Embora se desconheça a autoria do projeto original, é provável que se deva a um arquiteto de origem castelhana, à semelhança do que sucedeu com o da atual fachada da Catedral, encomendado ao salamantino João Moreno.

Configurando uma das alas da Praça do Adro, o emblema maior do valor patrimonial da cidade, o Paço dos Três Escalões é um extenso e imponente maciço granítico que não tem, na forma e na escala, qualquer paralelo na cidade. Singular na relação entre sobriedade e monumentalidade, sobretudo pela fachada Norte, bem mais extensa e elevada sobre enormes rochas graníticas, desenvolve-se interiormente em longas galerias, onde pontuam ainda, apesar dos diversos tipos de utilização e das profundas alterações de que foi objeto no decurso do tempo, diversos elementos originais, incluindo os fogões-de-sala classicistas.

Ao contrário do que sucedia com o exterior, já que o edifício conserva genericamente uma marca identitária singular e poderosa, o interior, objeto de obras sucessivas de readaptação aos mais diversos serviços que ao longo dos séculos aí se foram instalando, ainda antes da ocupação do museu, e chegando mesmo a coincidir com ele, encontrava-se profundamente degradado e descaracterizado, essas longas galerias só viriam a ser ocupadas pelas coleções museológicas em 1938.

Um complexo problema de acesso dos públicos e das coleções, a incapacidade de sustentação do acervo em bom estado de conservação e de um conjunto de infra-estruturas básicas de funcionamento, entre outros, inscreviam-se no vasto elenco de problemas do edifício, em período anterior ao da intervenção profunda de que foi objeto, segundo o projeto do Arquiteto Eduardo Souto Moura, que entre 2001 e 2003 libertou o interior dos muitos elementos apostos e desvirtuantes, e adaptou-o às exigências de um programa museológico novo.

Tesouros Nacionais

O Museu Grão Vasco possui vinte e quatro peças classificadas como “Bens Culturais Móveis de Interesse Nacional”; são vulgarmente conhecidos como “Tesouros Nacionais”.

Estas obras estão abrangidas por disposições legais especiais, previstas na Lei para tais bens.

Para a sua classificação foram tidos em conta critérios como o caráter de autenticidade, originalidade, raridade e singularidade. Decisivo foi também o génio do seu criador, o interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso, ou ainda o valor estético, técnico ou material do bem.

São vinte e quatro obras excecionais, inspiradoras para quem as contempla, que estão expostas em permanência no Museu Grão Vasco para serem usufruídas por todos e que são descritas de seguida.

 

 

 

 

 

 

Antigo retábulo da Capela–mor da Sé de Viseu

Este retábulo é hoje composto por catorze pinturas com cenas do nascimento e morte de Jesus Cristo.

Pintado entre 1501 e 1506, o retábulo era nessa altura formado por dezoito painéis que estavam dispostos em três filas, colocadas numa estrutura de talha dourada. Com as posteriores obras de alargamento da capela-mor, o altar de talha foi desmantelado e as pinturas colocadas noutros espaços.

Para além de ser um conjunto de pintura antiga, de grande mestria e genialidade artística, o facto da imagem do rei mago negro Baltazar, no painel da Adoração dos Magos, ser aqui substituída pela primeira representação de um índio do Brasil na arte Ocidental, torna este retábulo numa peça de excepcional valor iconográfico, artístico e histórico.

Está, por tudo isto, classificado como Tesouro Nacional. Outros retábulos da Sé (São Pedro, Calvário, Baptismo de Cristo, Pentecostes, São Sebastião) descritos abaixo. Vasco Fernandes e seus colaboradores pintaram para a Sé de Viseu outros retábulos, destinados às diferentes capelas da igreja e ao claustro. Estas pinturas de grande dimensão foram encomendadas a Grão Vasco pelo bispo D. Miguel da Silva.

São Pedro foi pintado para a capela lateral direita da Sé de Viseu; o Batismo de Cristo para a capela lateral esquerda da catedral; o Calvário para a capela do Santíssimo no topo Sul do transepto, espaço que numa igreja atravessa perpendicularmente o seu corpo principal e forma os braços de uma cruz, e o Pentecostes para a capela da confraria do Espírito Santo da Sé de Viseu, situada no topo Norte do transepto. São Sebastião destinava-se a uma capela do claustro renascentista da Sé.

Todas estas pinturas são expressivas do génio criador de Grão Vasco e seus colaboradores e fazem parte da pintura dita primitiva, sendo bens de excepcional singularidade.

 

 

 

 

Píxide / Hostiário

 

Este recipiente litúrgico, com a função de guardar as hóstias consagradas não utilizadas, é todo decorado com cenas relacionadas com nascimento de Cristo. Outros elementos simbólicos foram também incluídos e trabalhados em baixo-relevo e em vulto.
A Píxide do Museu Grão Vasco é um testemunho da influência dos portugueses na África Ocidental, nos séculos XV e XVI, em especial na produção artística daquela região. Detém grande interesse iconográfico, pois ela reflete o encontro de culturas e o diálogo inter-cultural que as viagens dos descobrimentos portugueses proporcionaram.
Conhecem-se, em todo mundo, apenas três exemplares deste tipo de píxide, sendo esta a mais completa.
Foi classificada como “Tesouro Nacional” devido à sua singularidade, raridade e testemunho histórico.

 

 

 

 

Anunciação

 

O Anjo Gabriel é o mensageiro divino que anuncia à Virgem Maria que ela seria a Mãe de Jesus, filho de Deus. Planando no espaço interior de uma habitação, o anjo segura uma faixa com a inscrição AVE MARIA GRATIA PLENA – Ave Maria cheia de graça, enquanto uma pomba, símbolo do Espírito Santo, está envolta numa auréola luminosa que lhe dá visibilidade. Nossa Senhora, em sinal de admiração e humildade, cruza as mãos sobre o peito. A jarra de açucenas, que simbolizam pureza, o cesto de costura e o livro das escrituras aberto fazem parte da iconografia mariana.
Destaca-se ainda o tratamento muito realista de alguns pormenores: o friso de pedras preciosas que remata a longa túnica do anjo ou o véu delicadamente transparente da Virgem.

 

 

 

 

Visitação

 

A Virgem Maria visitou sua prima Santa Isabel em Judá, a quatro dias de distância percorrida a pé (cerca de 100 km) da cidade onde vivia, Nazaré. Moveu-a o espírito de humildade, entreajuda e dedicação a sua prima que, como ela, esperava um filho.
Esta pintura regista o encontro das duas mulheres e os seus sentimentos, aqui expressos num gesto de aproximação e demonstração de cumplicidade. Por detrás das figuras femininas um largo fundo paisagístico representa pormenorizadamente uma cidade habitada. Aqui surgem diversas pessoas embrenhadas nos mais diversos afazeres quotidianos, incluindo um mendigo que estende a mão pedindo esmola. A arquitectura, de evidente inspiração nórdica, é representada com uma tal minúcia que permite ainda identificar na fachada de um dos edifícios, do lado esquerdo, um relógio mecânico.

 

 

 

 

Natividade

O nascimento do menino Jesus ocorreu numa manjedoura, num lugar que aqui assume o aspecto de uma ruína, e onde se abrigavam também alguns animais. Adorando o divino bebé encontra-se a Virgem, São José e dois anjos, um deles envergando uma riquíssima capa que contrasta com a simplicidade do Menino, que está descoberto. Através de uma abertura, num plano superior, um fundo paisagístico serve de cenário à representação de um outro tema: a Anunciação aos Pastores que, apesar do adormecimento de alguns deles, tocam instrumentos musicais, entre os quais a gaita-de-foles, celebrando assim o nascimento do Salvador.

 

 

 

 

Adoração dos Reis Magos

Ouro, incenso e mirra foram trazidos ao Deus menino pelos Reis Magos, Gaspar, Baltazar e Belchior. Estes reis eram também embaixadores das três raças humanas conhecidas então. Em relação à representação tradicional do tema da Adoração dos Reis Magos, este painel introduz uma alteração que o torna especial: a substituição de Baltazar, habitualmente de raça negra, por um índio brasileiro. Trata-se, com efeito, da primeira representação de um índio na arte ocidental, decorrido que era um ou dois anos do "achamento" do Brasil. Este índio enverga um traje onde se misturam influências europeias tradicionais, como a camisa e os calções, com a novidade exótica de um toucado de penas, colares de contas coloridas, grossas pulseiras de ouro nos pulsos e tornozelos, brincos de coral branco e uma flecha tupinambá.
Saliente-se, ainda, o facto de o Menino segurar na mão esquerda uma moeda de ouro cunhada com as armas de Portugal, numa sugestão ao secular desejo de riqueza associada aos Descobrimentos Portugueses.

 

 

 

 

Apresentação no Templo

 

Segundo a antiga Lei de Moisés, todo o filho primogénito tinha que ser oferecido a Deus. Para isso, seria apresentado simbolicamente no templo e depois era resgatado pela família por um preço simbólico. Determinava ainda a lei que, após o parto, a mãe estivesse resguardada em casa durante quarenta dias. Findos esses dias, a mãe deveria ir ao templo purificar-se pagando para isso um tributo que, se a família fosse pobre, poderia ser um par de rolas.
Neste painel, a composição integra esta dupla temática da Apresentação no Templo e Purificação de Nossa Senhora. O Velho Simeão, que os acolheu no templo, surge aqui ricamente vestido de paramentos, debaixo de um dossel e de alguns candelabros de delicada transparência. Ao fundo, numa janela circular, está representada uma cena do Antigo Testamento.
Esta cena refere-se ao sacrifício de Isaac, prestes a ser morto pela mão de seu pai Abraão, que um Anjo segura e trava. No mesmo plano superior, surge um pórtico de arquitectura já renascentista, encimado pelo escudo português.

 

 

 

 

Circuncisão

 

Do lado direito do quadro, sobre um altar de mármore parcialmente coberto por um requintado pano, representa-se o Menino Jesus e os instrumentos utilizados no ritual da circuncisão: a toalha e a faca, aqui ensanguentados. O Sacerdote e a Virgem seguram o Menino, enquanto S. José e duas figuras femininas acompanham o acto. Já do lado esquerdo, um arco arquitectónico conduz-nos para um espaço exterior, dando perspectiva a toda a composição e deslocando a nossa atenção do dramatismo da cena principal.
O rigor do pormenor e a minúcia do detalhe revelam-nos a natureza dos materiais que compõem a cena e ajudam-nos a identificar a cerâmica do pavimento, o mármore do altar, as fibras dos têxteis ou o metal da escultura no nicho da coluna.

 

 

 

 

Fuga para o Egipto

 

São muito variadas, na arte, as representações deste tema alusivo à Fuga para o Egipto. Para além das três personagens principais, o Menino, a Virgem e S. José referidas no Evangelho de São Mateus, o cenário desta composição enriqueceu-se com figuras e temas acessórios inspirados noutros textos. Com efeito, para além da Sagrada Família, aqui figura também um anjo que guia os fugitivos. Na paisagem do fundo, faz-se referência ao Milagre da Seara. De acordo com aqueles textos, a Virgem recomendara a um camponês que, caso viesse a ser interrogado pelos soldados de Herodes, dissesse que vira partir a Sagrada Família no tempo da sementeira do trigo. Milagrosamente, a seara começa a crescer e o trigo fica maduro para a colheita. Pensando que os fugitivos se encontravam já muito longe daquele lugar, os soldados desistem da perseguição.

 

 

 

 

Última Ceia

 

Com a Última Ceia inicia-se o ciclo da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Nesta pintura, Cristo toma a Sua última refeição com os apóstolos em volta de uma mesa circular, pouco comum na representação deste tema. Igualmente singular, para além dos elementos eucarísticos habituais, o pão e o vinho, é a presença de um prato com uma ave, ao invés do cordeiro da tradição judaica. Problemas com a estrutura anatómica das figuras são parcialmente encobertos ou disfarçados com os panejamentos de formas angulosas. A simplicidade do fundo que enquadra a cena – apenas um pano preto ladeado por duas janelas, uma das quais sem portada – deixa perceber diferenças significativas entre os painéis da série do Nascimento de Jesus e os do ciclo da Paixão de Cristo.

 

 

 

 

Cristo no Horto

 

Cristo prepara-se para o sofrimento que sabe que irá enfrentar, rezando no Jardim das Oliveiras. Os apóstolos adormecidos não se apercebem que, ao longe, um grupo de soldados se encaminha na direcção de Cristo para o momento da sequente prisão. O modo como foi pintado o firmamento, com uma luz característica na transição da noite para o dia, imprime ainda maior dramaticidade à cena.

 

 

 

 

Prisão de Cristo

 

Do grupo que se dirige a Cristo para o prender, fazem parte soldados armados, sacerdotes, anciãos judeus, mas também Judas. Este tinha por missão beijar Jesus na face, sinal pré-combinado para O identificar.
Cristo e Judas assumem uma importância central na organização da composição, sendo em torno duas figuras que todas as outras se dispõem. Nesta pintura destaca-se ainda o pormenor de Cristo segurando na orelha ensanguentada de Malco, servo do sumo-sacerdote Caifás e que se encontra de joelhos no solo, a quem Simão Pedro cortou a orelha.

 

 

 

 

Descida da Cruz

 

Esta cena mostra-nos o descimento do corpo de Cristo da cruz onde esteve pregado. Envolvidos nesta função encontram-se Nicodemos, no topo da escada e com um braço em volta do corpo de Jesus. José de Arimateia segura-Lhe as pernas e São João agarra um braço de Cristo. Em visível agitação, Maria Madalena ergue as mãos ao alto, enquanto a Virgem, que segura um pano para envolver o corpo de Jesus, deixa transparecer no rosto a dor por seu filho morto.

 

 

 

 

Ressurreição

 

A Ressureição de Cristo é um dos acontecimentos fundamentais da doutrina da Igreja Católica. Ao superar a morte e voltar a viver, Cristo acentua a Sua natureza divina e o Seu carácter sobrenatural. Fugindo aos esquemas racionais, este episódio torna-se para muitos num acontecimento difícil de acreditar. Essa surpresa é manifesta nesta pintura por um dos soldados que guarda o túmulo. Outros dois permanecem ainda adormecidos.
A sugestão do movimento ascendente da figura principal é sugerida pelo pintor através da teatralidade dos gestos e elevação da ponta do manto de Cristo.
Na paisagem do fundo, destaca-se a luz simbólica da alvorada.

 

 

 

 

Ascensão

 

Perante o grupo dos apóstolos e das santas mulheres, Cristo sobe ao céu ao encontro de Deus Pai, não apenas em espírito mas também no Seu corpo humano. Curiosamente encontra-se aqui representado a meio-corpo e desaparecendo através de uma abertura no céu. Com a finalidade de assinalar o movimento ascendente da figura de Cristo, o pintor representa as personagens a olhar para cima e acentua, com alguns gestos teatrais, a verticalidade da cena. Tal é o caso da figura representada de costas, cujas mãos se agitam elevadas acima do corpo, ou das mãos da Virgem que, ao sugerirem o vazio, conferem movimento e dramatismo à cena. O grupo dispõe-se ao redor de um rochedo, no qual ficaram impressas as marcas dos pés de Cristo.

 

 

 

 

Pentecostes

 

No primeiro Pentecostes após a morte de Cristo, cinquenta dias depois da Páscoa ou dez dias após a Ascensão de Jesus, o grupo dos apóstolos e Nossa Senhora não mais tinha a presença física do seu Mestre. Assim, envia-lhes o Espírito Santo, aqui facilmente identificável através da presença de uma pomba suspensa no ar.
A cena é representada no interior de uma habitação, sendo perceptível, ao fundo, uma lareira e um leito.

 

 

 

 

São Pedro

São Pedro enverga uma capa de tecido ricamente bordado, onde se destacam os anjos que a decoram. Estão inseridos em nichos e seguram os instrumentos da Paixão de Cristo, e foram pintados como se de pequenas esculturas se tratasse. Esta veste é segura à frente por um firmal, espécie de alfinete que aqui se representa como uma jóia. Nos dedos das mãos enluvadas, e em atitude de bênção, São Pedro ostenta anéis de minucioso trabalho. Este detalhe repete-se na tiara papal com que está coroado. Já na parte de cima do espaldar do trono, uma concha ocupa o lugar central, complementada por outros elementos vegetalistas e duas tiaras nos remates laterais. Duas aberturas e paisagens dos lados, na parte superior do quadro, representam cenas relacionadas com a vida de São Pedro: o Chamamento do pescador, à esquerda, e Quo Vadis?, à direita.
Na parte inferior do quadro, na predela, três pequenas pinturas representam alguns dos apóstolos: São João Evangelista e Santo André, São Bartolomeu e São Tomé, São Paulo e São Tiago.

 

 

 

 

Calvário

 

Nesta composição quase simétrica, representa-se a dramática cena do Calvário, com Cristo crucificado entre o Bom e o Mau Ladrão. A Seus pés figuram a Virgem e o grupo das Santas Mulheres, de expressões visivelmente dolorosas.
Por entre a multiplicidade de personagens, podem distinguir-se ainda as cenas do transporte da escada usada para descer Cristo da cruz, à esquerda, e o enforcamento de Judas, que traiu Jesus, à direita. Ao centro um outro grupo reparte entre si as vestes dos supliciados.
A tensão dramática da situação é acentuada pela expressividade dos rostos de formas rudes.
As pinturas da predela, na parte inferior do painel, representam Cristo perante Pilatos, a Descida da Cruz, e a Descida de Cristo ao Limbo.
Estas pinturas complementam o painel principal e completam a narrativa do Ciclo da Paixão.

 

 

 

 

Batismo de Cristo

 

Esta pintura representa São João batizando Cristo no rio Jordão. As duas figuras principais ocupam um lugar de destaque na composição.
Outras cenas secundárias foram também incluídas: atrás, do lado esquerdo, São João Baptista prega no deserto, enquanto do lado direito, dois anjos seguram a túnica de Cristo.
Algumas incorrecções na anatomia das figuras são perceptíveis nesta pintura, nomeadamente na distorção do pé de São João Baptista e no corpo de Cristo.
Em baixo, na predela tripartida, figuram São Paulo Eremita, São Jerónimo, Santo Antão.

 

 

 

São Sebastião

 

Este retábulo mostra o suplício de São Sebastião, que foi preso a uma coluna elevada num pedestal.
Regista-se aqui o preciso momento em que os carrascos o executam com setas, enquanto um anjo já transporta uma palma, símbolo dos martirizados.
À crueldade da cena contrapõem-se alguns objectos que pertencem a um universo do quotidiano, tal como as vestes deixadas em monte, as tamancas abandonadas ou o porta-setas no chão.
Na parte inferior, na predela, e enquadrados por uma paisagem que se prolonga pelos três quadros, representam-se Santo Estêvão, São Brás e São Roque.

 

 

 

 

Santa Ana e a Virgem

 

Escultura que representa Santa Ana segurando a mão de sua filha Maria, auxiliando-a na leitura dos textos sagrados.
Os trajos das personagens lembram luxuosos têxteis da época barroca, imitando tecidos com relevos a fio de ouro e prata, chamados brocados, as texturas da seda e bordados. Estes materiais ricos contrastam com a serenidade das faces e dos gestos simples das personagens.

 

 

 

 

Auto-Retrato de Columbano Bordalo Pinheiro

 

Esta pintura intitula-se No Meu Atelier. É uma das primeiras obras de Columbano e também o seu primeiro auto-retrato.
Representa o seu espaço de trabalho e aqui se vêem os adereços próprios de um qualquer atelier de artista: uma lira, uma caveira, papéis, estudos e pincéis, mas também outros trabalhos executados pelo pintor. É o caso do retrato do seu sobrinho Manuel Gustavo, visível ao centro em segundo plano, ou de uma talha que decorou.
Através desta pintura Columbano permite-nos entrar um pouco no ambiente do seu quotidiano. Mostra-nos o seu atelier e faz-se representar nele como um pintor em ação, revelando-se no seu primeiro auto-retrato. A sua figura de homem jovem, de paleta na mão, empenhado no seu trabalho e fitando-nos de frente, transforma-o também em nosso observador.

 

 

 

 

Cristo (articulado)

 

Esta imagem de Cristo Crucificado, esculpida em madeira e datada do século XIII, apresenta a particularidade de ser articulada em diferentes partes do corpo (pescoço, ombros, cotovelos e mãos, ancas, joelhos, pés e dedos) permitindo que a figura possa ser colocada em variadas posições.
Respondendo às necessidades do calendário litúrgico, este Cristo articulado era usado como imagem devocional, posicionada com uma postura estática como “Cristo na Cruz” ou então em cerimónias no contexto das celebrações da Semana Santa, nomeadamente na Procissão dos Passos, transportado numa posição fletida e no “Auto do Descimento da Cruz” e “Deposição no túmulo”, onde podia permanecer completamente deitado.

A figura de Cristo, à escala humana, apresenta no torso as costelas delineadas e a representação do umbigo, numa tentativa de imprimir realismo. Em torno da anca desenhou-se um panejamento e os pés exibem as marcas para inserir os cravos que pregavam a figura à cruz.
Estas características conferem à escultura um estatuto de singularidade, tornando-a numa obra única, tanto em Portugal, como na Europa.

 

 

 

 

Última Ceia 

 

Proveniente da capela de Santa Marta do Paço Episcopal do Fontelo, esta pintura apresenta a Última Ceia em três painéis que se unificam e interligam visualmente através da representação de um muro que os percorre, num plano intermédio, ou do pavimento que lhes confere uma certa continuidade, no plano inferior.

Numa complexidade de figurações e de diferentes narrativas, destaca-se no painel central a figura de Cristo, que segura o cálice eucarístico, ladeado por S. Pedro, S. João e outro apóstolo. São Mateus, identificado pela inscrição do seu nome na sua veste, acompanha este grupo. Do lado direito, outros apóstolos agrupam-se em torno do prolongamento da mesa, que termina em L. Já do lado esquerdo, Judas surge em traje amarelo segurando um saco de moedas, que simbolizam a sua traição. Pouco vulgar na iconografia da Última Ceia é a representação de Santa Maria Madalena, do lado direito, que aqui transporta um recipiente com perfume.

Esta pintura revela uma extraordinária complexidade iconográfica, que confere teatralidade ao tema e transforma esta obra numa notável composição do pintor Vasco Fernandes.