Liturgia e Devoção nos finais da Idade Média

As obras e os objetos reunidos neste núcleo permitem evocar alguns aspetos essenciais da arte e da religião no final da Idade Média. Progressivamente foi surgindo uma versão cada vez mais humanizada da representação divina, traduzindo uma relação mais próxima entre o Homem e Deus.

O humanismo e o sentido da autonomia do indivíduo, expressões de uma mudança sensível que atravessou a Europa a partir dos séculos XIII-XIV, traduziram-se num expressivo incremento da devoção a Maria e ao Cristo dos Evangelhos. Esta nova sensibilidade religiosa traduziu-se por uma série de representações inovadoras, consagrando, para além da incidência de temas marianos e cristológicos, um tratamento cada vez mais realista da forma.

Na escultura, o trabalho ainda esquemático e geometrizante da maioria dos exemplares em exposição, seja das mais antigas, em madeira, seja das de cronologia mais avançada, em pedra calcária, permite identificar uma aproximação ao realismo que se iria impor nos séculos seguintes, no período do Renascimento

Diáspora

A expansão portuguesa nos séculos XV e XVI permitiu pôr em contacto civilizações que se desconheciam, revelando uma enorme diversidade social e cultural à escala planetária.

Este encontro exprimiu-se em múltiplas facetas, desde a fé ao comércio. Permitiu um conhecimento generalizado de outros povos, de diferentes idiomas, ideias e costumes. Em parte, este encontro materializa-se na arte, que revela influências de diversas culturas.

A partir dos primeiros anos do século XVI chegam a Portugal um elevado número de objectos raros, peças de recordação e de uso devocional (como as pequenas imagens de oratório) e outras de uso doméstico (como é o caso do mobiliário, têxteis, porcelanas e outros).

Feita por artistas locais, integrando técnicas e gostos nativos com modelos ocidentais, esta arte é o resultado da fusão de elementos culturais muito distintos.

Embora o número de objectos expostos nesta sala seja relativamente reduzido, são contudo referências importantes para compreender a presença de Portugal no Mundo e os processos de influência entre os povos.

 

Artes Decorativas

Pese embora as necessárias diferenças no que ao uso e no que ao valor material diz respeito, as peças da coleção de cerâmica partilham com as de ourivesaria o mesmo espaço expositivo. À parte, a ourivesaria sacra trata-se, na maioria, de objetos eminentemente utilitários.

A coleção de cerâmica, uma das mais numerosas e diversificadas deste museu, constitui a expressão visível do colecionismo português de finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Das peças de produção nacional, destacamos a presença de uma talha da primeira metade do século XVII, de faiança, a sua exemplaridade releva tanto da sua estrutura formal, como do figurino decorativo.

Os exemplares de porcelana oriental de diversa tipologia aqui expostos são peças emblemáticas do muito apreciado exotismo, seja pela sua decoração, seja pela beleza da sua matéria.

Neste espaço apresentam-se ainda diversos exemplares de mobiliário, dos séculos XVII a XIX, provenientes de distintos ambientes: um armário louceiro, um contador, um paramenteiro, cómodas, duas cadeiras de aparato, entre outros.

 

Escultura do Barroco

 

A escultura presente nesta sala diz respeito às imagens de culto de pequena dimensão, destinadas a capelas e oratórios particulares. São obras que nos dão conta de uma religiosidade de carácter privado. São particularmente notáveis algumas peças escultóricas de pequeno formato desse período nas coleções do Museu.
No final do século XVI, e sobretudo nos séculos seguintes, a representação artística do corpo humano ganha um maior dinamismo, movimento, monumentalidade, carga emotiva e dramatismo. Estas particularidades são visíveis nas expressões dos rostos, nas poses e no tratamento dos trajos. Estas são também características do estilo “Barroco”, que se expressam de igual modo nas personagens bíblicas como aquelas que estão representadas nesta sala.

 

 

Columbano Bordalo Pinheiro

Da obra de Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) sobressai a sua faceta de retratista da sociedade burguesa da época. Pintou personalidades do meio político, literário e artístico, mas dedicou-se também à pintura histórica, às naturezas-mortas e à pintura decorativa.

Os primeiros anos da sua formação foram feitos no âmbito familiar, com o seu pai, o pintor Manuel Maria Bordalo Pinheiro, e seus irmãos. Estudou pintura na Academia de Belas-Artes de Lisboa onde foi discípulo de Tomás da Anunciação, Miguel Lupi e Simões de Almeida. Foram-lhe atribuídos diversos prémios nacionais e teve, ainda em vida, reconhecimento internacional. Foi professor na Escola de Belas-Artes de Lisboa e director do Museu Nacional de Arte Contemporânea.

A sua obra expressa valores de uma modernidade que só mais tarde viria a ser explorada.

Do acervo do Museu Nacional Grão Vasco fazem parte 55 obras de Columbano, divididas entre 29 pinturas a óleo, 24 desenhos e 2 aguarelas. A colecção foi constituída através de aquisições, mas também de doações de Emília Bordalo Pinheiro, viúva do pintor.

Já em 1931 o primeiro director do Museu, Francisco de Almeida Moreira, organizou uma sala dedicada ao artista com o objectivo de mostrar as suas obras e homenagear o mais importante vulto da arte nacional do seu tempo.

Do conjunto exposto nesta sala destaca-se a obra No Meu Atelier, um expressivo auto-retrato que merece a classificação de Tesouro Nacional. Salienta-se também a grande tela Camões e as Tágides.

 

Antigo retábulo da capela mor da Catedral de Viseu

O antigo retábulo da capela-mor da sé de Viseu (18 painéis), ou os quinze painéis que sobreviveram à sua desmontagem e que agora se expõem reagrupados no Museu Nacional Grão Vasco (o painel Calvário encontra-se no Seminário Maior de Coimbra), é uma obra fundamental para perceber que a pintura e os pintores provenientes dos Países Baixos meridionais exerceram uma influência decisiva sobre o gosto da clientela e sobre o trabalho dos nossos pintores. A obra foi uma encomenda do bispo de Viseu, D. Fernando Gonçalves de Miranda (? – 1505), manifestando a sua preferência pela pintura que se fazia na Flandres.

Apesar da polémica criada em torno da sua autoria, questionando uma série de dados objetivos como sejam a intervenção de duas mãos diferentes, e predominantes, ao nível do desenho preparatório e da fase de realização pictural, é de todo crível que um grupo encabeçado pelo pintor flamengo Francisco Henriques, ao qual se juntou o jovem Vasco Fernandes, o Grão Vasco, tenha criado este conjunto de tábuas para a capela-mor da Sé, entre 1501 e 1506.

As diversas cenas narrativas alusivas à Vida da Virgem, à Infância de Jesus e à Paixão de Cristo, não só mantêm marcas materiais da sua disposição original na estrutura do retábulo, em virtude da relação da pintura com a moldura, como foram rigorosamente programadas, de um ponto de vista formal, para a diferente altura a que o espetador as observava.

No conjunto, não só se reconhece a matriz nórdica, como é possível identificar modelos, figuras e cenários diretamente inspirados na produção, pictural e gráfica, dos “Primitivos Flamengos”, bem como em alguns aspetos da realidade local. Os painéis revelam um trabalho de grande realismo e atenção aos pormenores, visível na forma de representar os materiais e os ambientes que compõem as cenas.

No painel Adoração dos Magos, a figura do mago negro Baltazar é substituída por um índio do Brasil. A proximidade cronológica desta representação, considerada como a primeira na arte ocidental, com a descoberta das terras de Vera Cruz dá a esta pintura um valor histórico extraordinário. E entre muitos outros exemplos possíveis, na Apresentação de Jesus no Templo, o escudo português figura sobre o pórtico que deixa entrever um fundo arquitetónico.

Tríptico Cook

Assinada por Vasco Fernandes, esta pintura do antigo mosteiro de São Francisco de Orgens é a primeira assinatura que chegou até nós, com a grafia VASCO FRZ. Esta assinatura surge numa das três tábuas que formam o Tríptico da Lamentação com Santos Franciscanos, conhecido por Tríptico Cook, por ter sido adquirida pelo colecionador inglês Herbert Cook, que se supõe ter sido pintado por volta de 1520. Esta obra de importância histórica e artística fundamental, já que na época a prática de assinar pintura era muito rara, pertence à coleção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

A base de identificação do processo criativo do grande mestre do Renascimento português, ou as obras de autoria documentada do Grão Vasco, são as duas obras assinadas – Lamentação com Santos Franciscanos (c. de 1520) e o retábulo com o tema Pentecostes, pintado em 1535, que se conserva na Sacristia da Igreja de Santa Cruz de Coimbra – os cinco painéis que restam do antigo retábulo da capela-mor da Catedral de Lamego, e o magnífico S. Pedro da Catedral de Viseu.

O painel central Lamentação sobre o Corpo de Cristo, está visivelmente cortado do lado esquerdo, tendo uma harmoniosa estrutura triangular. A Virgem inclinada sobre o Corpo de Cristo tem paralelamente Santa Madalena e S. João a acoitar o Corpo de Cristo.

São Pedro

S. Pedro, do antigo retábulo da capela lateral da Catedral de Viseu, (c.1529), encomenda do humanista D. Miguel da Silva, bispo de Viseu de 1525-1540, e cardeal após esta data, é hoje a obra mais representativa do talento de Grão Vasco e uma das pinturas mais notáveis do património pictural português. Numa escala excecionalmente grande, comum aos restantes quatro retábulos que fez para o mesmo espaço catedralício.

O emblemático S. Pedro, um verdadeiro papa entronizado, não só reflete os ideais do seu ecomendante, a supremacia do poder espiritual sobre o temporal, como corresponde a um dos melhores momentos criativos de Vasco Fernandes. No rigor da composição, na expressão volumétrica da forma, através de uma sensível e bem calculada distribuição da luz e da projeção da sombra sobre o trono monumental, na extraordinária caracterização do rosto, nas formas do exuberante pluvial, S. Pedro é o resultado de muitas experiências acumuladas e do seu desempenho individual.

 

Grão Vasco e Colaboradores

Além do emblemático S. Pedro, D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, encomendou a Grão Vasco mais quatro retábulos, com dimensão e forma idêntica, para as diversas capelas da Catedral. O tema Batismo de Cristo destinou-se à capela lateral esquerda, dedicada a S. João Baptista, em correspondência, portanto, com o S. Pedro. Nas capelas dos topos do transepto, localizavam-se as pinturas do Pentecostes, a Norte, e do Calvário, a Sul, enquanto que a pintura de  S. Sebastião se destinou a uma capela do claustro que o mesmo bispo mandou também edificar. A intervenção de Gaspar Vaz é notória nestes projetos, especialmente nas pinturas do PentecostesBatismo de Cristo e no conjunto das predelas dos cinco retábulos.

Natural de Viseu, Gaspar Vaz formou-se em Lisboa, na oficina do pintor régio Jorge Afonso e recebeu influências decisivas do Grão Vasco, com quem colaborou em diversos projetos.

Gaspar Vaz e a Escola de Viseu

Nascido em Viseu, Gaspar Vaz recebeu influências decisivas de Grão Vasco, com quem colaborou em diversos projectos.

A obra de Gaspar Vaz foi confusamente identificada e interpretada ao longo dos tempos. As obras mais interessantes que realizou foram, muitas vezes, atribuídas a Grão Vasco. Foi o que aconteceu com a maioria das pinturas reunidas nesta sala. Mas algumas diferenças técnicas, como a dificuldade na concepção da figura representada e certos pormenores anatómicos (as mãos e os olhos), são características que permitem identificar a obra de Gaspar Vaz e individualizá-la da de Vasco Fernandes.

Do pintor António Vaz, filho de Gaspar Vaz, a primeira referência que dele se conhece remonta a 1537. Trata-se de um pintor formado em época posterior, que pinta com soluções próprias do Maneirismo, estilo artístico que começou em Portugal em meados do século XVI e durou até meados do século XVII. Nas suas obras António Vaz opta por figuras com proporções alongadas, conferindo-lhes alguma deformação e dando-lhes uma expressão teatral. Usa ainda uma paleta de cores frias e mais escurecidas.